Cantora de 73 anos anunciou a descoberta de um tumor no pulmão esquerdo. A evolução da medicina nos últimos anos permitiu ampliar significativamente a expectativa de vida dos pacientes acometidos por essa enfermidade.
A cantora Rita Lee anunciou nesta quinta-feira (20) em suas redes sociais que foi diagnosticada com câncer de pulmão.
De acordo com as informações divulgadas em seu perfil no Instagram, ela fez exames de rotina no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e os médicos descobriram um tumor primário em seu pulmão esquerdo.
“Bem assistida por uma junta médica, formada pelo Dr. Óren Smaletz, Prof. Dr. José Ribas M. de Campos, Dra. Carmem Silva Valente Barbas e Dr. Ícaro Carvalho, [Rita Lee] já se encontra em casa, e dará sequência aos tratamentos de imuno e radioterapia. Agradecemos as orações e a Luz Divina”, diz o comunicado.
A notícia teve grande repercussão e causou comoção entre os fãs da artista de 73 anos, nacionalmente famosa por ser integrante da banda Os Mutantes, nos anos 1960 e 1970, e por sua carreira solo, marcada por canções de grande sucesso como “Ovelha Negra”, “Lança Perfume”, “Desculpe o Auê” e “Amor e Sexo”.
O câncer de pulmão é o segundo tipo mais frequente tanto em homens quanto em mulheres (só fica atrás dos tumores de próstata neles e de mama nelas).
De acordo com as estatísticas oficiais do Instituto Nacional de Câncer (Inca), 30,2 mil novos casos da doença são diagnosticados todos os anos no Brasil.
A mortalidade também é alta: são mais de 29,3 mil óbitos por esse tumor a cada 12 meses no nosso país.
A boa notícia é que o tratamento do câncer de pulmão evoluiu muito na última década — alguns especialistas falam até numa “revolução” na oncologia.
Rita Lee — Foto: Guilherme Samora / Divulgação
A chegada dos primeiros remédios da classe dos imunoterápicos aumentou consideravelmente o tempo de vida dos pacientes.
Antes, os médicos calculavam em meses a expectativa de vida após o diagnóstico. Graças aos novos medicamentos, hoje é possível falar em anos de sobrevida.
Fatores de risco
O câncer de pulmão costuma estar diretamente relacionado ao tabagismo.
“Cerca de 90% dos casos desse tumor estão associados ao cigarro, mas é preciso dizer que não fumantes também podem desenvolvê-lo”, estima a médica Clarissa Mathias, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.
Embora não seja possível saber os detalhes específicos do caso de Rita Lee, a cantora já declarou ser fumante inúmeras vezes.
Numa entrevista ao jornal “Extra” em 30 de agosto de 2020, a artista disse que não usava drogas há 15 anos, com exceção do cigarro.
Em linhas gerais, o Brasil possui uma das melhores políticas públicas contra o tabagismo do mundo: nos últimos 30 anos, a porcentagem de fumantes na população caiu dramaticamente.
Em 1989, 34% dos adultos brasileiros fumavam. Em 2019, essa taxa havia sido reduzida para 12,6%.
Embora essa diminuição do tabagismo ainda não tenha impactado os números de câncer de pulmão no país, os especialistas esperam que isso comece a ser observado a partir dos próximos anos.
“E devemos ficar atentos, pois houve um certo arrefecimento nas campanhas anti-tabagismo nos últimos anos e vemos um maior interesse dos jovens pelo dispositivos eletrônicos de fumo, que também causam problemas de saúde e servem de trampolim para o cigarro convencional”, alerta Mathias.
Diagnóstico
O câncer de pulmão é uma doença silenciosa em seus primeiros estágios.
Isso significa que os sintomas, como tosse, dor no peito e falta de ar, só aparecem quando a doença está avançada demais.
É por isso que os médicos indicam os exames de rastreamento (o famoso check up), que devem ser feitos com alguma periodicidade.
De acordo com as últimas diretrizes nacionais e internacionais, todos os indivíduos com mais de 50 anos que fumam (ou fumaram por muitos anos) precisam passar por uma tomografia de tórax por ano.
Um estudo da Universidade Erasmus, na Holanda, descobriu que essa prática diminui em 26% a mortalidade por câncer de pulmão entre homens.
Nas mulheres, essa queda é ainda maior e varia entre 39% e 61%.
Mas o que explica essa redução na mortalidade?
É que, ao descobrir a doença logo cedo, é possível lançar mão de tratamentos mais simples e efetivos, antes que as células cancerosas se espalhem pelos pulmões ou afetem outras partes do organismo.
Ao contrário de outros testes de rastreamento que são bem conhecidos por todos, como a mamografia nas mulheres e o toque retal ou o PSA entre homens, a tomografia para flagrar o câncer de pulmão não é algo que faz parte da rotina.
Mathias chama a atenção para o fato de que esse exame ainda não está incorporado dentro dos programas de rastreamento brasileiros.
“Os estudos são consistentes, nós temos tomógrafos disponíveis no país e várias sociedades de especialistas fazem essa recomendação”, diz a oncologista clínica.
Portanto, se você ou alguém da sua família fuma (ou fumou por muitos anos), é importante conversar com o médico e ver se vale a pena realizar essas tomografias anuais.
Vale destacar ainda que esse exame de imagem não é suficiente para fechar o diagnóstico.
Se for encontrado algum indício suspeito, como uma mancha no pulmão, são necessários testes mais específicos para entender se aquela descoberta inicial é algo preocupante ou não.
Muitas vezes, o paciente precisa passar por uma biópsia, em que um pedacinho do pulmão é retirado e vai para uma análise num laboratório de patologia.
É esse resultado que vai determinar se aquelas células são malignas ou não.
Segundo a postagem no Instagram, Rita Lee deve ter passado por todas essas etapas.
O diagnóstico de um “tumor primário no pulmão esquerdo”, como foi descrito, indica que a doença se originou nessa parte do sistema respiratório mesmo — sempre existe a suspeita de um quadro ainda mais grave, em que o problema se desenvolve em algum outro lugar do corpo e se espalha, num processo conhecido como metástase.
Tratamento
Aqui está a grande novidade dessa área: as opções terapêuticas evoluíram enormemente e permitem estender a vida por muito mais tempo.
“Antes, contávamos o tempo de sobrevivência do paciente em meses. Agora, falamos em anos. É realmente notável”, destacou o oncologista David Graham, durante o Encontro da Sociedade Americana de Oncologia Clínica em 2019.
A grande mudança de paradigma foi a chegada da imunoterapia na última década, que logo se tornou um pilar no tratamento de diversos tumores, como o melanoma (um tipo de tumor que dá na pele) e o câncer de pulmão.
Tratamentos como a quimioterapia, a radioterapia e a hormonioterapia agem diretamente nas células cancerosas, atuando de diferentes maneiras para destruí-las.
Já a imunoterapia estimula o próprio sistema imunológico do paciente a atacar a doença.
“O avanço científico permitiu que a gente entendesse e diferenciasse os tipos de tumor que atingem os pulmões”, contextualiza o oncologista e pesquisador clínico Felipe Ades, especialista pelo Inca e doutor pela Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica.
“Hoje se fala em câncer de pulmão de pequenas células, de não pequenas células, e nós temos testes genéticos disponíveis para entender as diversas mutações que aparecem em cada caso específico”, acrescenta.
Essas informações detalhadas permitem escolher o tipo de remédio ideal, que mais se encaixa e tem maior eficácia para aquelas características.
“Nos estudos clínicos desses novos imunoterápicos, temos alguns pacientes que estão vivos há anos, quando antes a expectativa de vida deles era bastante reduzida”, conta Ades.
Pelas poucas informações disponíveis, parece que Lee vai fazer dois tipos de tratamento: a imunoterapia e a quimioterapia.
Tudo indica, portanto, que o quadro dela está num estágio conhecido pelos médicos como “avançado localmente”.
Na prática, isso significa que ele não está pequeno, a ponto de ser removido com uma cirurgia, nem tão grande, num momento em que já se espalhou para outros órgãos.
Alguns estudos recentes indicam que, nessa etapa da doença, aliar diferentes recursos terapêuticos (como a radioterapia, a imuno e a químio) pode ser uma estratégia bastante efetiva e com resultados promissores.
Mas vale o reforço: essa é apenas uma especulação, feita a partir do breve relato da própria cantora.
Prevenção
De forma geral, praticar atividade física regularmente, ter uma alimentação equilibrada e diversificada e dormir bem são atitudes que ajudam a evitar o desenvolvimento de tumores.
Mas não há como ignorar o papel do tabagismo quando falamos especificamente de câncer de pulmão.
“Não fumar é a melhor coisa que pode ser feita para a saúde dos pulmões e do corpo todo”, reforça Ades.