Ceará tem a maior queda no número de homicídios no Brasil no primeiro semestre de 2021

Autor: admin
Data: agosto 20, 2021

Especialistas comemoram queda em relação ao ano passado, mas avaliam que o estado viveu um ano atípico em 2020, com motim e início da pandemia, com índices elevados de violência.

O número de homicídios no Ceará caiu 28% no primeiro semestre deste ano em comparação a igual período de 2020. É a maior redução de homicídios do país no período, conforme os dados do Monitor da Violência, índice nacional de homicídios criado pelo G1, com base de dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.

No fim de 2020, o Ceará estava em situação oposta, sendo destaque negativo por apresentar o maior aumento de assassinatos de todo o Brasil. Foi registrado, em todo ano, comparando com índices de 2019, elevação de 81% nos casos de mortes violentas.

Em números absolutos, entre janeiro e julho de 2020, foram cometidos 2.245 assassinatos no estado; em igual período do ano atual, foram registrados 1.599 crimes violentos letais – que homicídios dolosos, feminicídios, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios.

Apenas seis estados registram alta nas mortes — Foto: Kayan Silva/G1

Apenas seis estados registram alta nas mortes — Foto: Kayan Silva/G1

Apesar da queda, o Ceará continua, em 2021, como um dos cinco estados mais violentos do País. À sua frente, aparecem a Bahia, com 2.931 homicídios; Rio de Janeiro, com 1.800; Pernambuco, com 1.686; e São Paulo, com 1.615.

No Brasil, os homicídios caíram 8% no primeiro semestre de 2021 na comparação com os primeiros seis meses de 2020.

Especialistas em segurança pública apontam que a queda no Ceará é positiva, mas consideram que o ano passado foi atípico por dois principais fatores: o motim da Polícia Militar e o início da pandemia de Covid-19.

Fatores atípicos, segundo especialistas

Chacina no Bairro Parque Soledade, em Caucaia, deixou quatro mortos: índices na cidade chamam atenção de estudiosos — Foto: Leábem Monteiro/SVM

Chacina no Bairro Parque Soledade, em Caucaia, deixou quatro mortos: índices na cidade chamam atenção de estudiosos — Foto: Leábem Monteiro/SVM

De acordo com a socióloga Ana Letícia Lins, da Rede de Observatórios da Segurança, é “muito importante que o Ceará, depois de um ano caótico que foi 2020, apresente um percentual alto de redução”. Para ela, o principal fator, que levou aos números elevados em 2020, foi o motim policial. Na sua visão, por ação ou omissão política, os homicídios dispararam e houve reorganização dos grupos criminosos atuantes no estado.

“Daqui pra frente, no entanto, a gente tem que olhar pra esse número com atenção. Temos tido situações que nos remontam à situação de conflito muito intenso, com a ocorrência de chacinas. E chamo atenção para o caso de Caucaia, que despontou como o município mais violento do Brasil no Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, diz a socióloga.

O município de Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) foi, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o que obteve a maior taxa de homicídios do País em 2020, com 98,6 assassinatos a cada 100 mil habitantes. Só neste ano, a cidade já registrou duas chacinas e se mantém na cobertura policial da mídia em função das disputas de facções criminosas, que vêm mantendo o padrão de cidade violenta.

Para o sociólogo Ricardo Moura, do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), além da greve dos policiais, outro fator preponderante para tornar o ano de 2020 atípico foi o início da pandemia de Covid-19. O especialista enxerga correlação entre medidas mais rígidas de restrição e aumento no número de homicídios, especialmente porque é em casa ou nas suas redondezas que a maioria dos assassinatos ocorrem.

“Ficar em casa ajuda você a não se expor ao vírus, mas os homicídios são cometidos, uma grande parcela deles, na casa da vítima. Ou seja, ainda que as pessoas tenham ficado em casa, elas estavam no local onde ocorrem normalmente os homicídios, com abordagens feitas na calçada ou até no bar vizinho”, exemplifica.

Ações implementadas e o futuro

Além disso, ele valida as ações realizadas pelo poder público, especialmente a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) por ações que miraram as organizações criminosas. O sociólogo acredita que esses grupos estão enfraquecidos por três principais motivos: a série de operações que prenderam chefes dessas facções, os dois anos de conflito intenso promovido entre elas e a repressão da comunicação entre chefias nos presídios e nas ruas.

Para ambos os especialistas, porém, o índice de homicídios é bastante volátil. Se houver uma mudança, mesmo que pequena, na atuação das organizações criminosas ele pode dar um salto. Foi justamente isso que aconteceu no início do segundo trimestre deste ano com dissidentes de uma facção de origem carioca. Eles saíram desse grupo criminoso e montaram o seu próprio, a partir daí, já foram identificados conflitos territoriais em Caucaia e na Grande Messejana, em Fortaleza. A Polícia Civil aponta que, pelo menos, 10 homicídios foram provocados na capital em decorrência dessa disputa.

“O rompimento em Caucaia é uma coisa recente, a gente começou a ver os efeitos com maior intensidade no final de maio, começo de junho, e isso pode despontar para uma outra dinâmica criminal no segundo semestre”, avalia Letícia Lins.

Para Ricardo, a análise é similar: se houver crescimento, ele vai ser puxado pela Região Metropolitana. “Tem aí toda uma mudança, e a gente precisa ver se essa questão da neutralidade, vamos ver se eles [essa nova organização criminosa] vão ter como sustentar uma terceira via. Esse processo, porém, vai se dar de uma forma violenta”, diz.

FONTE: G1