Entenda o conflito agrário em área onde menino de 9 anos, filho de líder rural, foi executado; entidades cobram apuração rigorosa

Autor: admin
Data: fevereiro 13, 2022

Ex-trabalhadores da extinta Usina Santo André disputam terras com a empresa que arrendou a massa falida.

Entidades de apoio à agricultura familiar e combate à violência no campo cobram apuração rigorosa do assassinato de uma criança de 9 anos, filho de um líder rural do Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, na Zona da Mata Sul de Pernambuco. O crime aconteceu na noite da quinta-feira (10).

g1 conversou, neste domingo (13), com lideranças de entidades ligadas à defesa dos trabalhadores rurais. De acordo com elas, os conflitos agrários são intensos não só na regiãode Barreiros, mas em outras áreas da Zona da Mata de Pernambuco.

No Engenho Roncadorzinho, onde o menino foi executado, os conflitos, segundo as fontes consultadas, são ocasionados pela disputa pelas terras que pertenciam à Usina Santo André. De acordo com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape), a usina decretou falência judicial há mais de 20 anos.

Ao todo, cerca de 70 famílias de trabalhadores rurais moram nesse terreno, que tem 790 hectares e faz parte da área de litígio agrário. “A usina deixou inúmeras dívidas, sobretudo para os funcionários, que não receberam os direitos trabalhistas”, declarou o advogado da Fetape, Bruno Ribeiro.

Casa que foi invadida por criminosos fica no Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, na Mata Sul de Pernambuco — Foto: Reprodução/WhatsApp

Casa que foi invadida por criminosos fica no Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, na Mata Sul de Pernambuco — Foto: Reprodução/WhatsApp

De acordo com o representante da Fetape, é um contrassenso tentar retirar do terreno os trabalhadores que são os próprios credores. “Essas pessoas moram no local há mais de 40 anos. Elas não foram pagas pelo dono do imóvel. O engenho foi propriedade da usina que, atualmente, é massa falida sob administração do Poder Judiciário”, diz Ribeiro.

Ainda de acordo com o advogado, há 10 anos a Agropecuária Javari arrendou o Engenho Roncadorzinho e iniciou o plantio e colheita de cana-de-açúcar. Os conflitos entre a agropecuária e os moradores, no entanto, começaram cinco anos depois.

“A empresa que arrendou a terra queria expandir o plantio da cana-de-açúcar e começou a destruir as lavouras, usava agrotóxico que contaminava fontes de água onde a população bebia, contaminava a plantação dos moradores”, comenta o advogado da Fetape.

Há três anos, a Agropecuária Javari tentou, no Poder Judiciário, o despejo dos moradores. Segundo Bruno Ribeiro, os desembargadores não proferiram decisão, mas solicitaram um entendimento entre as partes.

“Em outubro do ano passado, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) decidiu não julgar o recurso e remeteu para o núcleo de mediação. O objetivo era que fosse feito um esforço para tentar obter uma solução amigável”, conta o advogado.

No entanto, ainda segundo o representante da Fetape, a mediação acabou não ocorrendo ainda porque, logo depois, o Poder Judiciário entrou em recesso forense. “Aparentemente, estava tudo calmo por lá, mas acabou surgindo essa barbaridade”, diz.

De acordo com a Fetape, a violência e as ameaças registradas nos últimos anos foram promovidas, segundo os moradores do engenho, pelas empresas que exploram economicamente a área, com intimidações e ameaças.

“A nossa suspeita maior é que a morte da criança tenha relação, sim, com o conflito fundiário, mas quem tem que apurar isso é a polícia. O pai do menino executado é uma das principais lideranças dessa comunidade. Ele é presidente da associação dos agricultores”, diz o advogado da federação.

g1tentou entrar em contato com a Agropecuária Javari, assim como com a Usina Santo André, sem sucesso. O TJPE também foi procurado para se pronunciar a respeito do pedido de despejo dos moradores e não respondeu até a publicação desta reportagem.

Entidades cobram apuração

Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal, o deputado Carlos Veras (PT) cobrou apuração rigorosa e disse que a polícia precisa entender que a disputa por terras é uma possibilidade real.

“Eu, que sou parlamentar, antes de assumir a comissão, visitei algumas localidades e fui ameaçado. São relatos absurdos. Observei o pavor dos trabalhadores rurais quando estive, no dia 17 de dezembro de 2021, na reunião com as comunidades atingidas por essa disputa agrária”, diz o deputado.

Segundo Carlos Veras, a luta, agora, é para resolver o direito dos trabalhadores para que eles tenham acesso à terra e evitar que outras crianças sejam assassinadas. “Estou há muitos anos nessa luta. Foram enviados ofícios para o governo, para a procuradoria e para a SDS [Secretaria de Defesa Social]”, apontou o presidente da CDHM.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) informou que durante esta semana será protocolado um documento junto ao governo do estado.

“Vamos comunicar ao governador de Pernambuco que essas denúncias não são de agora. Já havíamos informado várias outras vezes da possibilidade de acontecer uma tragédia na localidade. Na realidade, falamos desse conflito específico há, pelo menos, dois anos”, diz Plácido Júnior, coordenador estadual da CPT.

Ainda segundo Plácido Júnior, a comissão estará em Barreiros, durante a semana, prestando apoio aos pais da criança e aos moradores da comunidade. “Precisamos proteger essas pessoas e precisamos acompanhar, de perto, a investigação”, finaliza o coordenador da CPT.

A Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife já encaminhou uma carta ao governo do estado, em que cobra rigor nas investigações do assassinato da criança.

A carta também fala de uma possível ligação do crime com o conflito agrário e faz um apelo para que o governador disponibilize todos os meios para solução e punição dos responsáveis pelo crime.

O crime

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Menino de 9 anos é morto em área de conflito agrário em Barreiros

Na noite da quinta-feira (10), homens encapuzados entraram armados na casa do líder rural, no Engenho Roncadorzinho. A execução aconteceu quando o menino de 9 anos tentava se esconder com a mãe embaixo da cama.

“Disseram que era a polícia”, afirmou ao g1 Geovane da Silva Santos, o pai do garoto, líder comunitário e presidente da associação de moradores de engenho. Ele levou um tiro no ombro (veja vídeo acima).

No momento do crime, mais três crianças e a mãe do menino assassinado estavam no local, mas não sofreram ferimentos. Por meio de nota, a Polícia Civil informou que pai e filho foram levados para Hospital de Barreiros, mas a criança “não resistiu”.

“Ouvi o barulho na parte de trás e fui ver o que era. Eles entraram, passaram por mim e foram para o quarto. Pegaram o menino, que estava embaixo da cama com a mãe, e atiraram”, contou Geovane.

Polícia

A polícia abriu um inquérito para apurar o homicídio da criança e a tentativa de assassinato ao pai dela. O caso está sendo investigado pela Delegacia Seccional de Palmares, na mesma região.

Por meio de nota, a Polícia Civil disse que o delegado titular de homicídios de Palmares, Marcelo Queiroz, foi designado para apurar o fato. A Delegacia Seccional de Palmares e a Delegacia de Barreiros estão dando apoio nas investigações.

A Polícia Militar também foi acionada. No local existe policiamento ostensivo através de Equipes Táticas e Grupo de Apoio Tático Itinerante (Gati), de acordo com a corporação.

Protesto

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Moradores de Barreiros fazem ato antes de velório de menino executado

Na sexta (11), o velório do menino assassinado reuniu parentes e vizinhos. Crianças levaram cartazes para mostrar a saudade do amigo. Os moradores da cidade realizaram um protesto na cidade, até o início da cerimônia de despedida. O enterro ocorreu no início da noite, no Cemitério de Barreiros

FONTE;G1