Ana Paula Barroso narra outros dois episódios em que sofreu discriminação: no seu próprio condomínio e quando foi confundida com uma candidata que serviria café e faria a limpeza em uma seleção de estágio em direito.
A delegada cearense Ana Paula Barroso, barrada ao entrar em uma loja da Zara em Fortaleza em setembro deste ano, afirmou esperar que a repercussão da denúncia de racismo que fez contra a loja sirva para encorajar as pessoas que sofrem discriminação racial. Em entrevista ao g1, ela contou ainda outros dois momentos em que sofreu discriminação, no seu próprio condomínio e em uma seleção de estágio.
“Minha maior vontade hoje é que toda essa visibilidade encoraje as pessoas que sofrem discriminação racial a provocarem o Estado e toda sua rede de apoio”, disse a delegada.
O último dia 20 de novembro marcou o Dia da Consciência Negra em todo o Brasil, a data relembra a morte de uma das maiores lideranças históricas da população negra brasileira: Zumbi dos Palmares. Por isto, todo o mês de novembro é dedicado à reflexão e às lutas da comunidade negra.
O caso da delegada, diretora-adjunta do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis da Polícia Civil do Ceará, ganhou repercussão nacional e gerou um processo por racismo. O gerente que a abordou na loja foi indiciado pelo crime. Além disso, uma ação civil pública movida por entidades do movimento negro foi protocolada na justiça estadual pedindo indenização de R$ 40 milhões por danos coletivos.
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Para a delegada, a visibilidade do crime pode fazer com que as pessoas repensem os seus valores. “Costumo dizer que empatia é sentir a dor do outro e, por isso mesmo, não precisa ser negro para lutar contra o racismo. Só precisa ser humano!”, considerou.
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Vídeos mostram outras pessoas entrando com alimentos na loja da Zara em Fortaleza
Ela ressaltou que o acesso às imagens de câmeras de segurança da própria loja comprovaram o crime e lamentou que diversas pessoas tentaram reduzir a importância do seu relato, sugerindo que ela “queria aparecer”.
“O crime de racismo por muitas vezes exatamente por ter sua prática velada é de difícil comprovação. Se as imagens não fossem tão claras será que teríamos essa repercussão? Lembro que antes da divulgação das imagens várias pessoas tentaram me descredibilizar, dando a entender que eu queria aparecer. Como que alguém quer aparecer com algo que te causa tanta dor?”, questiona.
Discriminação em entrevista de estágio
Esta não foi a primeira vez que Ana Paula Barroso foi vítima de racismo. Quando ainda era estudante de direito, ela se apresentou para uma entrevista de estágio e foi confundida com uma mulher branca que concorria a uma vaga para serviços gerais no mesmo local.
“De modo automático uma senhora entrou na sala olhou pra mim e educadamente disse: ‘olhe, o trabalho aqui é bem tranquilo, você só precisa deixar as salas limpas e servir café quando for solicitada pelos advogados’. A menina que estava do meu lado – branca e de cabelos claros – é que iria preencher a vaga de serviços gerais, enquanto que eu – negra, de cabelos crespos e talvez na visão daquela senhora fora dos padrões – é que iria ser a estagiária de um dos advogados”, relatou.
Ela respondeu que, na verdade, era candidata ao estágio de advogada. A mulher pediu desculpas pelo constrangimento, mas Ana Paula reconheceu que houve racismo. “Porque intrinsicamente para algumas pessoas o negro é rotulado como aquele que não têm capacidade de ter uma projeção social/profissional”, argumenta.
Além disso, a Ana Paula também contou ter sofrido racismo com a própria mãe dentro do condomínio onde mora. Um dos condôminos, segundo ela, não sabia que ambas moravam no local e disse: “o elevador de serviço é do outro lado”.
“E mais uma vez indago: por que aquele senhor achou que éramos colaboradoras de algum lar? Tem como não dizer que não foi pela cor? Óbvio que não!”.
Gerente indiciado
Gerente da loja Zara em Fortaleza foi indiciado pelo crime de racismo. — Foto: Divulgação
A Zara disse que a abordagem, em 14 de setembro deste ano, não foi motivada por questão racial, mas por causa de protocolos de saúde. Informou ainda que não aceita nem tolera discriminação.
O crime de racismo contra a delegada Ana Paula pode gerar reclusão de um a três anos e multa ao funcionário suspeito de cometer a discriminação racial, e também punição cível à loja, segundo a Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE). O crime de racismo é imprescritível.
A lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define e pune casos de racismo prevê que tanto o estabelecimento quanto a loja podem sofrer punições judiciais, explica Tharrara Rodrigues, integrante da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-CE.200 vídeos
FONTE: G1