Um ano depois, ninguém foi condenado por motim da Polícia Militar no Ceará

Autor: admin
Data: fevereiro 18, 2021

Pandemia atrasou inquéritos; 246 servidores estão afastados, segundo Controladoria.

Um ano após o motim realizado por agentes da Polícia Militar do Ceará, nenhum dos envolvidos na paralisação foi condenado pela Justiça, segundo informações da Promotoria de Justiça Militar do Ministério Público do Ceará (MPCE). Na área administrativa, todos os policiais identificados estão afastados das funções e respondem a processos disciplinares, segundo a Controladoria Geral de Disciplina (CGD).

De acordo com a Promotoria, até o fechamento desta reportagem, foram denunciados mais de 130 servidores da PM em casos relacionados à paralisação de 2020. Além disso, cerca de 250 inquéritos estão sob análise do órgão, que continua recebendo procedimentos investigatórios.

greve de policiais é ilegal no Brasil, conforme entendimento do STF de 2017. Durante o motim de policiais no Ceará em 2020, a Justiça determinou a ilegalidade do movimento e permitiu a prisão de policiais que atuassem no motim.

O movimento ocorreu entre os dias 18 de fevereiro e 2 de março em diversas cidades cearenses. Embora tudo tenha iniciado no 18º Batalhão, no Bairro Antônio Bezerra, periferia de Fortaleza, a ação mais violenta se deu no 3º Batalhão da cidade de Sobral, na qual o senador Cid Gomes (PDT-CE) tentou invadir um quartel com uma retroescavadeira e foi alvejado com dois tiros por grevistas.

Durante os 13 dias de motim, o número de homicídios no Ceará disparou 417% em comparação com igual período de 2019. O motim foi iniciado por questões salariais, após diversas rodadas de negociação entre representantes da Corporação e do Governo do Estado. Depois de chegarem a um acordo, PMs insatisfeitos iniciaram as ações a revelia. O movimento foi considerado pelo governo como “partidário” e influenciado por lideranças políticas da categoria.

Vão responder pelos supostos crimes os líderes do movimento e oficiais de quartéis, além de praças que, na avaliação do MP, se omitiram de exercer suas funções e/ou facilitaram as ações criminosas durante o motim.

Número de réus é incerto

O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) não soube informar quantos PMs já se tornaram réus em razão do motim. Segundo o órgão, “devido à complexidade de inquéritos policiais e processos judiciais que envolvem policiais militares de todo o Estado, não foi possível compilar todos os dados no tempo solicitado”. Processos aos quais o G1 teve acesso apontam que pelo menos 64 PMs são réus em processos na Justiça Militar relativos à paralisação de 2020.

A Controladoria de Disciplina, que atua na responsabilização administrativa dos amotinados, informou que foram identificados 246 participantes do movimento. Segundo o órgão, todos “continuam afastados e respondendo a processos administrativos disciplinares”.

Conforme a CGD, há ainda outras investigações ocorrendo, as quais podem provocar novos procedimentos. Um militar processado pode ser expulso, demitido, ou sofrer outras punições, como advertência ou suspensão.

‘Militar não pode ceder’, diz promotor

Policiais Militares do Ceará voltam ao trabalho depois de 13 dias de motim

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De acordo com o promotor de Justiça Militar, Sebastião Brasilino, alguns dos militares estão sendo denunciados também por crimes relacionados a veículos da polícia, como o sequestro dos veículos e a depredação de pneus. “O militar tem um caráter diferenciado, tem obrigação de combate, ele não pode ceder. Estou apurando esses casos de gente que entrou na unidade militar, secando e cortando pneu e disse que não viu. Todos esses estou denunciando”, disse à reportagem.

De acordo com Brasilino, os processos no MPCE estão andando mais lentamente em razão da Covid-19, que motivou a prorrogação de prazos. A pandemia dificultou também as investigações sobre o motim, explica Brasilino: inquéritos sobre as participações de bombeiros militares, por exemplo, ainda não chegaram à Promotoria.

“O que tem chegado a gente tem procurado apurar e responsabilizar aqueles que previam ou podiam ter agido no sentido de debelar o motim. A gente tá denunciando para que seja apurado; agora que vai começar de verdade a apuração no poder judiciário, com o contraditório e tudo mais”, afirma Brasilino.

Antes do início da paralisação ser iniciada, o próprio promotor emitiu recomendação aos quartéis explicando quais crimes eles estariam cometendo se participassem do movimento.

Comandante denunciado

Militares vinculados ao 18º BPM, epicentro do motim no Ceará, se tornaram réus em 15 de janeiro deste ano. A Justiça recebeu denúncias contra 12 deles, inclusive o comandante do batalhão que, de acordo com as investigações, autorizou a entrada de mulheres que lideravam o movimento de protestos nas dependências do batalhão.

Autorização dada pelo tenente-coronel no livro de ocorrências do 18ºBPM — Foto: Reprodução

Autorização dada pelo tenente-coronel no livro de ocorrências do 18ºBPM — Foto: Reprodução

Embora o MP não tenha pedido a suspensão das atividades do tenente-coronel José Maria Chiappetta Telles Júnior, o órgão afirma que ele ignorou as determinações para agir de forma contrária ao movimento. Ele é réu na Justiça Militar por desobediência e descumprimento de missão qualificado; a pena pode chegar a três anos de detenção. Os demais denunciados foram suspensos das atividades policiais judicialmente e estão proibidos de frequentar quartéis.

A defesa do tenente-coronel, representada pelo advogado e assessor jurídico da Associação dos Oficiais do Ceará (Assof), Alexandre Timbó, afirmou que ele foi intimado pela Justiça na última quinta-feira (11) e alegou que está tomando ciência do caso. O representante ressaltou que o militar e outro oficial “estavam de serviço, cumprindo as determinações oriundas do CPC (Comando de Policiamento da Capital), do comandante-geral e do adjunto, dentro das diretrizes, inclusive pernoitando, como havia sido determinado”.

Além de militares do 18º batalhão, denúncias já foram apresentadas ou aceitas contra:

  • Líderes do movimento
  • Um servidor da Assessoria de Inteligência (Asint) da Polícia Militar
  • Servidores do Comando Tático Rural (Cotar)
  • Servidores do 1º BPM, em Limoeiro do Norte, no interior do Ceará
  • Servidores do 2º BPM de Juazeiro do Norte, no interior do Ceará
  • Servidores do 6º BPM (Parangaba), em Fortaleza
  • Servidores do 8º BPM (Meireles), em Fortaleza
  • Servidores do 10º BPM, em Iguatu, interior do Ceará
  • Servidores do 16º BPM (Messejana), em Fortaleza
  • Servidores do 19º BPM (Jardim das Oliveiras), em Fortaleza
  • Servidores do 20º BPM (Cristo Redentor), em Fortaleza
  • Servidores do 22º BPM (Papicu), em Fortaleza
  • Servidores do Destacamento de Choró, no interior do Ceará

FONTE: G1